QUANDO A LEI É INJUSTA.



A gravidade da injustiça da lei se torna pérfida quando, não raro, acometida mediante o contraste evidente entre o ordenamento jurídico e o verdadeiro sentimento de justiça prevalente na sociedade. Enquanto o infausto fica por conta da lei despótica, a desobediência é sufocada no peito de um povo que recua e se cala.

Se já abandonam a sociedade à sua sorte, embora epistemologicamente seja esta, fonte jurídica por natureza e excelência, nada farão quando não mais contarem com a mesma na coação dos seus súditos subjugados, posto que a partir daí simplesmente usarão do açoite ao invés da falácia.

A Lei Municipal nº 10.188, de 03 de junho de 2011, que desafetou parte da Rua Musas, no Bairro Santa Lúcia, nesta capital, e foi vendida à iniciativa privada, desatendendo as súplicas das comunidades locais, sopita na arrogância a tal ponto, que muitos se acham novamente a descoberto, diante de um poder autocrático, importado cabalisticamente por poucos, para descaracterizar a persistente democracia social defendida por tantos.

Uma lei, tal qual a do debate, quando rechaçada pela população, sobretudo pelos espíritos defensores do interesse público, falece em seus atributos de lei e agoniza nas mãos dos detentores do poder.
Uma lei alquebrada, que não consegue uma imagem física de lei social, por iníqua e contrária aos princípios garantidores da juridicidade ético-política do sistema, capenga há de ser, neste e nos séculos que virão.

O intérprete da lei precisa de coragem, bom senso e prudência na busca da face justa da lei, de modo a fazer perseverar o direito, pois, caso contrário, se alastram os dogmas, que na justiça não evoluem e colocam tudo a perder.

A lei injusta padece de combate e pede pelo seu afastamento da vida humana, longe da ingenuidade dos que professam a vontade da lei ou a intenção do legislador, jamais unívocas, mas influências péssimas da lei amoral, conflitante com os anseios da sociedade que pode, para tal, requerer a decisão de um Juiz que não suscite o divórcio entre o Direito e a moral.

A justiça pode e deve decidir contrariamente à interpretação indevida de uma lei injusta, uma vez inadmissível na jornada do Estado Democrático de Direito a imposição do povo e das ideias, do Estado e da sociedade civil, do poder e da razão, a patamares diferentes de discussões.

O Poder Judiciário ao aplicar o direito não pode, sob hipótese alguma, manter uma postura de neutralidade diante de casos em que se apresentem positivadas normas injustas. A dissociação do Direito da distribuição de justiça ou da promoção do bem estar da sociedade coloca em risco iminente a democracia, e pode se transformar em instrumento de arbítrio e degradação da pessoa humana.

De se ressaltar, outrossim, que a lei injusta causa tamanho e irreparável dano ao indivíduo que se deve conceder ao Juiz uma maior liberalidade para decidir. A atuação nobre de buscar um sentido útil e justo da lei não se restringe aos Juízes, mas a qualquer operador do Direito a favor do bem.

Uma lei não é um todo em si mesma e muito provavelmente jamais será. É tão somente um instrumento, uma norma para a convivência e harmonização da sociedade. Quando injusta, para nada disso serve e simplesmente se presta ao papel da discórdia e da desobediência.

A lei injusta, obra humana, contém defeitos que podem causar justamente aquilo que se pretendia evitar – a injustiça. E nesse sentido é a lei que viabilizou a venda de trecho de via pública, em benefício de uns e em prejuízo de muitos.

Assim, em determinadas ocasiões a lei injusta há que ser revogada, nula e anulada, mas que seja pela urgência dos clamores sociais.

Wilson Campos (Advogado/Assessor Jurídico do Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte).

(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de 22/09/2012).

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