NA CALADA DA MADRUGADA.



Enquanto o país inteiro chorava a morte da equipe de futebol da Chapecoense, na queda do avião que matou 71 pessoas, nas proximidades de Medellín, na Colômbia, a Câmara dos Deputados, na calada da madrugada, ria da cara dos brasileiros, desfigurava vergonhosamente o pacote anticorrupção e incluía punição a juízes e promotores.

Não que juízes e promotores desonestos, ímprobos e que cometem os crimes de peculato, concussão, extravio, corrupção e abuso de poder não possam ser punidos. Ao contrário, todos aqueles que cometem crimes e, principalmente, os acima referidos, contra a administração pública, devem ser rigorosamente punidos, afastados de suas funções e penalizados com cadeia e devolução de tudo que tenha sido apropriado indevidamente. Ninguém está acima da lei. 

Data venia, voltando ao pacote anticorrupção em debate, vale asseverar que a pouca vergonha é tamanha, que o Legislativo quase sempre preguiçoso, subserviente e leniente, salvo raras exceções, resolveu "trabalhar" à noite e madrugada adentro, contra os interesses do povo.

Na calada da madrugada, deputados incluíram medidas controversas, polêmicas e sem escutar a população, e retiraram propostas consideradas essenciais do pacote de medidas contra a corrupção proposto pelo Ministério Público Federal (MPF).

Em uma votação iniciada na terça-feira (29) e que varou a madrugada da quarta-feira (30), o plenário da Câmara aprovou uma série de mudanças no pacote anticorrupção. Ou seja, os nobres deputados aprovaram um texto que na prática derruba o projeto das Dez Medidas Contra a Corrupção, apresentado pelo MPF.

Veja-se que o objetivo inicial do pacote era combater a impunidade, mas isso não vai acontecer porque as principais ferramentas foram afastadas. O combate à corrupção vai ficar fragilizado e, com uma agravante, que foi a declarada intimidação dos investigadores.

Apesar de terem desistido de incluir no pacote a anistia à prática do caixa dois, os deputados incluíram medidas ao seu talante e de encontro aos seus interesses particulares, e retiraram do texto propostas consideradas essenciais do projeto. O projeto seguirá agora para a apreciação do Senado.

O plenário da Câmara aboliu medidas consideradas chaves no projeto anticorrupção. As mudanças foram tão profundas que a força-tarefa da Operação Lava Jato ameaçou renunciar coletivamente caso o texto seja aprovado pelo Senado.

Entre os principais pontos do projeto do MPF que foram abolidos estão propostas para evitar a impunidade de políticos e empresários, como a tipificação do crime de enriquecimento ilícito e mudanças na lei de prescrição e penas. O confisco de bens obtidos de forma ilegal, sugerido pelos procuradores, também foi derrubado pelo plenário.

A aprovação das medidas originais seria, para os procuradores, a maior herança da Lava Jato para o Brasil: alterações legislativas que contribuiriam no combate aos malfeitos no setor público. Com elas, seria possível, por exemplo, aumentar penas para delitos com desvios de dinheiro público, ou ainda, investigar crimes para além do período de prescrição previsto.

A esperança da população é o óbice do Senado e o controle constitucional do Supremo Tribunal Federal (STF), para que impeçam a continuidade desse grave atentado cometido na calada da madrugada pela Câmara dos Deputados, contra o sistema democrático brasileiro.

Embora o Congresso Nacional tenha legitimidade e autonomia para legislar a partir da consagração do voto popular, isso não equivale dizer que tenha o direito de defender interesses pessoais dos parlamentares, em detrimento da vontade e dos interesses do povo. Ora, o projeto tinha pontos importantes que miravam a redução da impunidade, especialmente nos crimes de corrupção que assolam e envergonham o país.

In casu, constata-se o abuso de poder dos nobres deputados federais. O legislador não pode fazer e desfazer o que bem entende e na hora que bem entende, sob pena de fazer emergir o verdadeiro abuso do poder de legislar, privilegiando interesses próprios, espúrios e inadmissíveis na sociedade democrática. Muito menos quando isso se dá para evitar a responsabilização criminal de quem comete graves crimes contra os interesses da coletividade.

O projeto de iniciativa popular foi sangrado, esquartejado e desfigurado. Perdão, mas esse é o sentimento quanto ao presente ato autoritário da Câmara dos Deputados, praticado na calada da madrugada.

O que também espanta na atitude ignara e insidiosa dos parlamentares é a "criminalização" do regular exercício das funções da Magistratura e do Ministério Público travestida de retaliação chamada de "abuso de autoridade". Ora, trata-se da criação vergonhosa na calada da madrugada de uma mordaça contra juízes e promotores que apuram irregularidades cometidas por servidor público ímprobo, que, a rigor, abraça a função do "nobre" deputado federal.  

Independentemente da responsabilização, afastamento e punição de juízes e promotores que prevaricam no exercício da função pública, não é esse o "pomo da discórdia" no momento, porquanto a discussão seja de controle dos desvios e abusos legislativos, com a preservação dos princípios democráticos.

Repito que: juízes, promotores, deputados, senadores e outros membros dos Três Poderes, que são desonestos, ímprobos e cometem os crimes de peculato, concussão, extravio, corrupção e abuso de poder devem ser punidos. Todos aqueles que cometem crimes e, principalmente, os acima referidos, contra a administração pública, devem ser rigorosamente punidos, afastados de suas funções e penalizados com cadeia e devolução de tudo que tenha sido apropriado indevidamente. Ora, a lei vale para todos.

Lamentavelmente, a constatação clara e isenta de tudo isso é que a sociedade saiu imensamente prejudicada. A Câmara dos Deputados falhou em não atender o desejo da opinião pública e, com certeza, pagará caro por essa traição típica de governo autocrático, que "trabalha" na calada da madrugada.

Os deputados deram mais um robusto motivo para que os cidadãos brasileiros se indignem e rejeitem veementemente os políticos que estão nesse poder de falácias e maracutaias. Votar de madrugada não é transparente e muito menos adequado para a democracia. Votar de forma sub-reptícia, à noite, às escondidas e no afogadilho é uma demonstração de inteiro desrespeito com o povo.  

Enfim, talvez não saibam os nobres deputados que o caos já está nas finanças, na previdência, nos investimentos públicos, na inflação, no desemprego, nos juros altos, na criminalidade, na impunidade e na desconfiança do povo com os seus políticos, que mais parecem politiqueiros de quinta categoria e não políticos de representação e mandato popular.

A inquietação do povo já é grande. A insatisfação é crescente. As panelas voltarão a ser batidas e as ruas se encherão de pessoas indignadas. Portanto, todo cuidado é pouco. Mas ainda é tempo de corrigir os erros desses parlamentares de conduta moral questionável. Bastam a reação cívica do povo e o rigor constitucional da Suprema Corte.

Wilson Campos (Advogado/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista e Ambiental). 





Comentários

Postagens mais visitadas